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O povo Laklãnõ/Xokleng e o cinema como ferramenta de luta

Atualizado: 18 de jul. de 2023


Por: Jucelino Filho




O cinema desempenha um papel significativo na sociedade, sendo uma ferramenta poderosa para a difusão cultural, entretenimento e a contação de histórias. Nas últimas décadas, um movimento de apropriação dessa forma de expressão tem ganhado destaque entre os povos indígenas do Brasil. Os filmes indígenas têm aberto portas para que as comunidades em todo o país possam conhecer as realidades e experiências desses povos. Neste artigo, vamos falar dos filmes "Vãnh gõ tõ Lakãnõ" e “Aqui onde tudo acaba” produções que contam a história do povo indígena catarinense Laklãnõ/Xokleng, destacando a importância dessas obras para a promoção do movimento indígena, bem como a representação e visibilidade cultural alcançada através delas.


O crescimento do movimento indígena no cinema


Na última década, observamos um aumento significativo no engajamento dos povos indígenas brasileiros com o cinema. Eles têm encontrado nessa forma de expressão uma maneira poderosa de compartilhar suas histórias, lutas e culturas com o mundo. Os filmes indígenas têm permitido que as vozes dessas comunidades sejam ouvidas e suas perspectivas sejam compreendidas. Essa apropriação do cinema tem se mostrado uma ferramenta eficaz para a promoção da diversidade cultural e o combate aos estereótipos e preconceitos historicamente associados aos povos originários.




"Vãnh gõ tõ Lakãnõ", Filme Vencedor do Prêmio Canal Brasil de Curtas 2023, competição paralela dentro do festival de cinema “É tudo verdade”, é um exemplo notável do movimento indígena de apropriação das técnicas de cinema, dirigido por Bárbara Pettres, Flávia Person e Walderes Coctá Priprá, indígena do povo Laklãnõ/ Xokleng e mestra em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O filme conta a história do povo Laklãnõ/Xokleng, que habitava os três estados do Sul do país. Por meio de imagens de arquivo, poemas, cantigas e entrevistas, o documentário reconstrói poeticamente a trajetória desse povo, que foi perseguido por bugreiros (caçadores de indígenas) pagos pelo Estado e colonizadores, dizimado por doenças e transformações em seu modo de vida. Em um determinado momento, chegaram a restar apenas 106 pessoas. O título do filme, na língua Laklãnõ, significa algo como, Resistência Laklãnõ.

O documentário aborda diversos aspectos importantes da história e realidade do povo Laklãnõ/Xokleng. Ele também retrata a retomada da língua e o impacto da construção de uma barragem de contenção de cheias dentro do território Xokleng a partir de 1972. Essa barragem, considerada a maior obra de contenção de cheias do estado de Santa Catarina, resultou em inundações na Terra Indígena e na divisão da aldeia original em 10 aldeias ao longo do território. Além disso, o documentário também aborda a presença das igrejas evangélicas na Terra Indígena e a questão do Marco Temporal.


O Marco Temporal e a luta por demarcação de terras


Um dos aspectos abordados em "Vãnh gõ tõ Lakãnõ" e que reflete a luta do movimento indígena, é a questão do Marco Temporal. Essa tese argumenta que os indígenas só têm direito à demarcação de terras onde já estavam presentes em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. No entanto, essa visão é criticada pelos povos indígenas e por defensores de seus direitos, pois desconsidera a história de ocupação ancestral e as violências sofridas ao longo dos séculos. O julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, referente à demarcação da Terra Indígena Laklãnõ, movido pela Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (atualmente IMA - Instituto do Meio Ambiente) contra a Funai, tem grande importância para a definição dos direitos territoriais indígenas em todo o país.


Outra produção que está carregando a história do povo Laklãnõ por festivais de cinema mundo afora, é o filme experimental gravado em película de 16 milímetros, “Aqui onde tudo acaba” dirigido por Cláudia Cárdenas e Jucelino Filho, que é Laklãnõ/Xokleng e estudante de Jornalismo na UFSC. O jovem fez parte da equipe de “Vãnh gõ tõ Lakãnõ”, atuando como produtor local, também um dos curadores e idealizadores do Site Portal de Saberes Laklãnõ/Xokleng, um portal criado para o compartilhamento de materiais sobre a cultura dos Xokleng e dos povos indígenas do sul do Brasil.



O documentário “Aqui onde tudo acaba” foi produzido na Terra indígena Laklãnõ/Xokleng e foi um dos 45 filmes selecionados para 31° Festival Internacional Curtas Vila do Conde, um dos principais festivais cinematográficos e culturais de Portugal dedicado a curtas-metragens. O filme é um curta-metragem experimental e poético que transita entre o documentário e a ficção para abordar uma cultura em extinção, a dos indígenas brasileiros em especial dos Laklãnõ/Xokleng. Foi construído de um modo particular, com uma partilha de saberes com a comunidade realizada em todos os estágios, desde as filmagens utilizando filmadoras que usam filme em 16 milímetros, na experiência da revelação botânica usando plantas para revelar as películas, até a captação sonora de modo coletivo.

Todos os estágios do filme foram realizados na aldeia Bugio. A produção busca reativar a memória das origens do Povo Laklãnõ/Xokleng e sua relação com a natureza. A construção do filme levou aos jovens da aldeia Bugio oficinas de áudio e vídeo. O filme foi apresentado à comunidade Laklãnõ/Xokleng da aldeia Bugio no dia 03 de maio de 2023, para que a comunidade pudesse ver o trabalho que os oficineiros ajudaram a realizar, agora ele segue para ser mostrado em festivais mundo afora.


Os filmes indígenas, como "Vãnh gõ tõ Lakãnõ" e “Aqui onde tudo acaba” tem contribuído na luta contra o marco temporal, por conta disso, os filmes tem ganho reconhecimento não apenas no Brasil, mas também internacionalmente, pois proporcionam uma visão autêntica e poderosa da cultura Laklãnõ/Xokleng, desafiando estereótipos e ampliando a compreensão sobre esse povo. Além disso, contribuem para a preservação da língua, resgata memórias e reforça a identidade da comunidade Xokleng, pois contam a história da comunidade através de poemas, músicas, entrevistas, cantos tradicionais e imagens belíssimas registradas dentro do território, exemplificando a força do povo. Com uma trilha sonora poderosa, “Vãnh gõ tõ Laklãnõ” mostra ainda o crescente envolvimento dos artistas indígenas nas lutas pelos direitos dos povos originários. Retrata também a força da juventude indígena na busca pelo resgate de seus costumes.


Com imagens em preto e branco “Aqui Onde Tudo Acaba” reconta de maneira poética a relação dos Xokleng com as plantas medicinais e a natureza, o movimento cinematográfico dentro da terra indígena Laklãnõ, começou a tomar forma e ganhar força no ano de 2014, quando alguns jovens da comunidade participaram de uma oficina de audiovisual, resultando no filme “Aqueles que contam história” disponível no site do Portal de Saberes, filme construído coletivamente pelos oficineiros, acendendo dentro dos jovens o desejo de continuar aquele trabalho. Dentre esses jovens estavam, Jucelino Filho e Walderes Coctá Priprá, a partir daquele momento muitas produções foram desenvolvidas pelos Laklãnõ dentro de seu território. A criação do grupo de jovens chamado “Juventude Xokleng” também vem realizando trabalhos para fortalecer o audiovisual na comunidade seguindo o exemplo de outras comunidades indígenas do Brasil, somando-se ao esforço cinematográfico para dar visibilidade aos povos e suas lutas.


Através da narrativa cinematográfica, o movimento indígena fortalece sua voz e reafirma sua resistência, gerando impacto tanto dentro do país quanto além de suas fronteiras. É essencial valorizar e apoiar essas produções, reconhecendo o poder do cinema como uma forma de preservar e celebrar a diversidade cultural e humana.


Os filmes Laklãnõ/Xokleng estão percorrendo as telas de festivais de cinema do mundo e

para acompanhar a trajetória dos filmes é só ficar de olho no Instagram do Portal de Saberes Laklãnõ/ Xokleng.

Para ver mais produções acesse www.portaldesaberes.org





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